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A MÁQUINA DE MOER OS DIAS

WILSON ALVES-BEZERRA

  • R$ 62,00


Não há ninguém mais exilado do que quem escreve cartas. A esse, é negado o território, o tempo, o diálogo. Para ele, só resta a letra, o refúgio da linguagem.

Desde que li Vapor barato (Iluminuras, 2018), noto em Wilson Alves-Bezerra não a fragmentação (tecnicamente natural em se tratando de um romance epistolar como este), mas algo mais: a inconciliável busca de uma unidade, só alcançada no outro, na interlocução impossível no universo dos seus romances.

Neste A máquina de moer os dias, o autor está decidido a narrar o exílio (e também o asilo) dos seus personagens, agarrados a fiapos de fala – elemento caro aos psicanalistas. Contudo, a psicanálise é um tipo de literatura, de sinais trocados. Se Vapor barato está para a tal “teoria da alma”, este A máquina de moer os dias dá todos os sinais do caso psiquiátrico. Crônico. Nacional. Sua “sintaxe da loucura”.

E, em vez da retórica, do discurso e da catarse mediada, Wilson prefere nos colocar no hiato dessas falas, seus personagens viajando no tempo.

Este romance é sobre o lapso, a lacuna, o silêncio.

Como narrador, Wilson nos exila nesta sua ucronia, seu todo bem-construído horror vacui. Fragmentário.

Agora veja: o fragmento é um polo. Quando se tenta compreender, por exemplo, a história recente e futura do país por ‘polarizações”, se tenta entender o fragmento, o estilhaço da granada, sem se ter entendido ainda a própria granada. É entender o todo pela soma de suas falhas, nessa estranha gestalt. Este romance denso liga os pontos do passado aos do futuro, no presente.

Portanto, leitor e leitora, estas cartas surgem onde tudo falhou. E talvez seja quando tudo falhe que se originem todas as missivas: de suicídio, cartas-abertas, de amor, ridículas ou não. As cartas deste denso romance são filhas de alguma forma de lacuna, de falas interrompidas, de ausências.

Nessa ideia de deslocamentos no tempo-espaço, emerge outra forma de terror: o fato de nem Milena nem o narrador/remetente nem Clareza Solar, nascendo ou não, nem nós nem ninguém poder fugir ao nosso destino. A palavra é do reino dos carteiros, mas denuncia, antes, a ideia trágica por detrás deste romance, onde não faltam representações da violência política, no Brasil, nas Américas, em todo lugar e em todos os tempos.

E, para ficar ainda no universo das cartas, a vida e este romance não admitem post scriptum, vulgo P.S. Eis a verdadeira tragédia.

Sidney Rocha

Wilson Alves-Bezerra (São Paulo, 1977) dedica-se à prosa de ficção, à poesia em prosa, à crítica literária da literatura latino-americana e à tradução literária. No Brasil, publicou Histórias zoófilas e outras atrocidades (contos, EdUFSCar/Oitava Rima, 2013), Vertigens (poemas em prosa, Iluminuras, 2015), O Pau do Brasil (poemas em prosa, Urutau, 2016 – 5 edições), Vapor Barato (romance, Iluminuras, 2018) e Malangue Malanga (Poemas em prosa, Iluminuras, 2021). Em Portugal, publicou antologia de seus poemas Exílio aos olhos, exílio às línguas (Oca, 2017), as duas edições de O Pau do Brasil (Urutau, 2017 e 2019), seu work in progress de poemas políticos sobre o Brasil contemporâneo, e Necromancia Tropical (Douda Correria, 2021). Organizou com Jefferson Dias a antologia de poesia brasileira contemporânea Um brasil ainda em chamas (Contracapa, 2022). Tem ainda obras publicadas no Chile [Cuentos de amor, memoria y muerte (contos, LOM, 2018)], na Colômbia [Catecismo salvaje, poemas, El Taller Blanco Ediciones, 2021] e em El Salvador [Selección de poesía, Secretaría de Cultura de San Salvador, 2021]. Sua literatura traz um singular cruzamento entre experimentações com a linguagem e reflexões sobre o mundo contemporâneo. Seu livro de poemas Vertigens ganhou o Prêmio Jabuti em 2016, na categoria “Poesia – Escolha do leitor”. Já colaborou como resenhista para alguns veículos do Brasil (O Globo, O Estado de S. Paulo, Cult, Jornal do Brasil, Zero Hora) e do México (El Universal, Contra Réplica). É autor dos seguintes ensaios: Reverberações da fronteira em Horacio Quiroga (Humanitas/FAPESP, 2008), publicado no Uruguai [Reverberaciones de la frontera en Horacio Quiroga, Más Quiroga, 2021], Da clínica do desejo a sua escrita: incidências do pensamento psicanalítico na obra de alguns escritores do Brasil e Caribe (Mercado de Letras/FAPESP, 2012) e Páginas latino-americanas – resenhas literárias (2009-2015) (EdUFSCar/Oficina Raquel, 2016). Como tradutor, foi responsável pela versão de autores latino-americanos como Horacio Quiroga (Contos da Selva, Cartas de um caçador, Contos de amor de loucura e de morte, todos pela Iluminuras), Luis Gusmán (Pele e Osso, Os Outros, Hotel Éden, todos pela Iluminuras) e Alfonsina Storni (Sou uma selva de raízes vivas, obra que contou com o apoio da Casa do Tradutor Looren, de Wernetshausen, Suíça). Sua tradução de Pele e Osso, de Luis Gusmán, foi finalista do Prêmio Jabuti 2010 na categoria “Melhor tradução literária espanhol-português”. É doutor em literatura comparada pela UERJ e mestre em literatura hispano-americana pela USP, onde também se graduou. É professor de Departamento de Letras da UFSCar, onde atua na graduação e na pós-graduação. Este A máquina de moer os dias é o segundo livro de uma trilogia que começa com Vapor Barato e que ninguém sabe como terminará.

Autor(a) Wilson Alves-Bezerra
Nº de páginas 160
ISBN 978-65-5519-190-5
Altura 15,5x22,5cm

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