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Tomados pelo desencanto com o país,
custa-nos crer que alguma coisa entre nós tem dado certo. Ela entretanto
existe. Refiro-me a determinada tradição de poesia. Sob o signo (necessário) da
metamorfose, ela parte de certo Bandeira, engloba o primeiro Drummond, se
alarga com a metáfora alucinada de Murilo, se condensa na palavra seca de
Cabral e no construtivismo dos concretos. A poesia de Sebastião Uchoa Leite
pertence a essa linhagem, a que amplia — se a redução física também pode ser
ampliação — e radicaliza. Fiel à sua estirpe, nela não há concessões nem à
palavra eleita porque de todos usada, nem à forma de sintaxe que privilegia o
mistério. Contra a corrente do esperado pelos propagadores do que-já-nasce-
acessível, a poesia do autor privilegia a contensão antes implosiva que
resplendente. A sintaxe é reduzida ao mínimo grama do expressivo, não para que
facilite senão para que ele se torne extremamente denso. A ironia e a auto
ironia (cf. "Cisne) aumentam a distância contra a empatia primária, a que
Adorno bem chamara de catarse culinária. Não nos enganemos porém: esse processo
de rarefação não é o do afastamento da circunstância contemporânea. Muito ao
contrário. Sem endeusá-la ou dar-lhes as costas, é, por ex., a linguagem
computacional que, em “digitação", é usada para, irônica e não
parodicamente, dizer-se da poética e da morte. A ironia, porque composta sobre
frases "tecnológicas", cancela o macabro e varre o ornato do bico de
pena. O mesmo ainda se nota quanto aos poemas políticos. Longe do engajamento
declamatório, ela é entretanto uma poesia que foca a cena política imediata.
Ressalte-se o paradigmático "A alma do negócio". Pois o mundo
circunstante, presente pela linguagem das máquinas, pelo show off das
autoridades, pela velada alusão a dados biográficos, é tão interlocutor nestes
poemas quanto a musica, a pintura e o cinema. Assim se compõe uma poesia de
cunho ao mesmo tempo intelectual — em diálogo com mentes e questões — e
sensível — imersa na delicia/tontura dos sentidos; combinação não isenta de
tensão, como indica a abertura de "outra nietzscheana": “A tensa
pantera/ Não salta/ Porque pensa". Estranho o efeito desta poesia da
negatividade: ela estimula o cara-a-cara com a vida.
Luiz Costa Lima
Autor(a) | Sebastião Uchoa Leite |
Nº de páginas | 72 |
ISBN | 978-85-7321-280-8 |
Formato | 14x21 cm |