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Desejo manter em meu lar:
Uma bela mulher a pensar,
Andando entre livros um gato,
Bons amigos sempre a passar
Sem os quais viver é ingrato.
Que órfica catábase trouxe dos infernos as deliciosas estrofes desse Bestiário, livro de estreia do mago Apollinaire? Que "vozes maquinando" permitiram o resgate dessa obra, considerada amiúde um trabalho "menor" do autor dos Calligrames?
Conquanto seja uma das principais referências da vanguarda francesa do início do século, exercendo influência sobre várias gerações de poetas brasileiros (dos modernistas, como Mário e Oswald, aos concretos e neoconcretos), o fato é que Apollinaire continua merecendo mais leitores entre nós. E leitores com visada ampla, que sejam capazes de identificar a "nova linguagem” — proposta pelo poeta em textos como L'Antitradition Futuriste e L'Esprit Nouveau et les Poètes — não apenas nos processos de iconização verbal (a technopaegnia, de grega memória) dos caligramas ou no elementarismo sintático de seus poemas mais conhecidos.
Oportunidade para tanto nos oferece o Bestiário, publicado em 1911 com xilogravuras de Raoul Dufy. Nele, o autor dialoga com a tradição — os bestiários medievais mais a poesia emblemática da Renascença — e também retoma, pelo viés humorístico, a poesia de circunstância à moda de Mallarmé.
Engana-se, todavia, quem, ao se defrontar com esses poemas monoestróficos (quadras, na maioria), que adotam metros tradicionais (o verso octassílabo e o alexandrino) e fazem uso da rima, julgue pouco “ousada" tal estreia, Perguntar-se-á: onde estão as dissonâncias e a brutalização do código características daquele que mais tarde proporia "Consoantes sem vogais, consoantes que soem apagadas, sons como um pião, como o estalar de língua. como o ruído de uma expectoração"?
Cumpre lembrar, como nos aconselha Hugo Friedrich, que em Apollinaire, toda experimentação tem como contraparte um processo de divinização da linguagem: “a palavra nova é repentina e como um Deus fremente".
E quem melhor que Orfeu, chefe e condutor desse cortejo de imagens, para encarnar essa inclinação mística e até mesmo soteriológica da poesia? Quem melhor que o citaredo trácio para cobrir o canto mortal das sereias, para enfrentar a melancolia das carpas (Parcas?) com a promessa do Paraíso?
Mas não se deve adiantar tudo. Deixemos ao leitor interessado a alegria da iniciação nesses mistérios que finalmente vêm à luz na tradução atilada do jovem poeta Álvaro Faleiros. Tradutor que, a semelhança de Orfeu, a quem se atribui o acréscimo de duas cordas à lira de Apolo, não temeu introduzir modificações aqui e ali, "traindo” o texto original em nome de uma fidelidade mais profunda à sua alteridade. Sem "olhar para trás”, Faleiros, com a delicadeza de um “gafanhoto” que salta de uma língua a outra, soube alcançar “o Verso solto”, que é “dos justos o bom pão”. Repartamo-lo,
Fabio Weintraub