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(...) São frios estes contos porque se limitam a expor os puros fatos. O autor estima que a vida não premia nem castiga, não condena nem salva, ou, para sermos mais exatos, não consegue discernir essas complicadas categorias. Só pode dizer que Vive: que não lhe exijam qualificar seus atos, dar-lhes um valor qualquer ou esperar uma justificativa ao final de seus dias. Na verdade, deixamos correr a pena entusiasmados. De pronto as palavras, as letras se entrelaçam, se confundem; acabamos não entendendo nada, recaímos na infância, parecemos crianças com balas nas bocas. E, então, espontâneo, ruidoso, brota esse misterioso balbucio:
ba, ba, ba, ba...
VIRGILIO PIÑERA
Virgilio Piñera (1912-1979) é um dos escritores mais originais do continente americano. A prosa de Piñera e regida por um humorismo sarcástico, melancólico, volúvel, que já aparece em seus primeiros contos publicados. Como seus Compatriotas Alejo Carpentier e José Lezama Lima, Virgilio Piñera tez do barroco sua pátria.
Como bem nota o escritor José Bianco, amigo do autor, Piñera não espera decifrar através da linguagem a realidade latino-americana. Como queria Carpentier; nem Se propõe como Lezama Lima — valendo-se para isso da imagem e da metáfora — criar um universo poético que antecipe o sobrenatural. Poucas ou nulas sugestões históricas ou geográficas encontramos nas fábulas de Piñera. Seu barroquismo não vem do estilo simples, despojado, coloquial, nem dos ambientes que esse estilo reflete, senão da ação mesma de seus contos, de um conflito que em quase todos eles se apresenta e se resolve de forma semelhante.
Escolhemos para apresentar ao leitor de língua portuguesa um conjunto de relatos publicados originalmente em 1956 como título de Cuentos fríos, nos quais, nos parece, se reúnem e resumem, os temas que orientam a obra literária de Piñera: o absurdo, a angústia existencial, o humor negro.