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A boa nova está em vossas mãos, caro leitor. Abra este livro numa página qualquer, respire devagar ao menos uma vez, entreabra um pouco mais a fresta dos cinco sentidos e, por fim, entregue-se à leitura dos versos ocasionais. Logo se surpreenderá a testemunhar um pensamento que parte de mãos atentas e delicadas, capazes de uma arte rara: a de tomar e torcer as palavras até o ponto em que cantam.
Herberto Helder é um poeta vizinho do encantamento. Acredita na poesia como um “talento doloroso e obscuro”, a ser exercido com a liberdade necessária para que os sentimentos essenciais encontrem abrigo nos poemas. Deparamo-nos então com os dizeres comovidos, cantantes, mobilizados em torno de uma inteligência própria, sem receio da espontânea associação entre os nomes e os afetos.
Seus versos configuram uma plasticidade tátil – de adjetivos e substantivos tramados em ritmos sutis --, ao mesmo tempo em que dão a ver o corpo como fonte inesgotável de percepção. Esse mesmo corpo, que o cotidiano pede em vigília, Helder nos remete ao seu revés: vem dele a primordial respiração das imagens poéticas; consonante a essa memória, a poesia realiza uma visita diferente ao que se toma por realidade.
Desde a publicação de “A colher na boca”, em 1958, o autor distinguiu-se pelo alto grau de invenção com que dispõe de pensamentos e emoções. Em seus primeiros livros, tinha-se a impressão de que punha em movimento uma poderosa imaginação surrealista, ressaltada pela musicalidade e pelo tom evocativo dos poemas. Mas a coerência e a continuidade de tal prodígio breve fez ver que se tratava de projeto mais ousado.
Alumbrando palavras, despertando-as do estado de dicionário, a máquina lírica do poeta surpreende o aleatório das coisas – seja uma laranja, uma bicicleta ou um peixe no aquário – com uma inesperada alquimia verbal que nos enche os olhos. Sua dignidade repousa nessa qualidade e o seu ofício está longe de ser ingênuo ou narcisista.
"Joelhos, salsa, lábios, mapa"... começa assim um dos seus mais belos poemas. Despertado do nada, o verso sugere e acontece, unindo numa só frase o que é do corpo, da terra e da imaginação. É próprio da ciência de Herberto Helder que assim o seja. Misturam-se as matérias, por força das palavras, em nome de uma sensível elegia de boas novas. Em vossas mãos, caro leitor.
Fernando Paixão