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Até em partos naturais
alguns versos nascem
natimortos
e pendem
fora de prumo
do outro lado do espelho
ocos
Na construção de uma casa entram diversas razões: desígnios do arquiteto, cálculos do engenheiro, disponibilidade financeira e de materiais na praça. Mas ao longo do tempo a casa dependerá sempre da pessoa de seu morador. É ele que injeta nos cômodos vazios a carga de subjetividade, que dá vida ao lugar e possibilita o convívio.
Os poemas de Maurício Segall têm algo da ocupação de um espaço vital, da circulação incessante de humores e afetos que, no fundo, são responsáveis por transformar o edifício em moradia — e, nesse caso, moradia que se quer não só para si, mas também para os outros.
Daí que grande parte desses poemas tenha início na sondagem de si mesmo que o sujeito leva a cabo em seu apartamento cotidiano. Sondagem que desemboca em quatro ou cinco portas. Há os poemas em que o eu prova até o limite dessa cachaça tão lúcida quanto alucinatória, “a solidão em estado puro”. Da consciência perplexa consigo mesma, o sujeito passa ao inventário de suas carências e cegueiras — para notar que "esta miopia não tem cura". Noutro grupo de poemas, o tempo se adensa e faz convergir, no interior do sujeito, experiências a principio contraditórias, como os belos "Cárceres" e "Pista dupla"
De todas as linhas de força, nenhuma é tão recorrente quanto o horror de ver-se trancafiado no labirinto, como em "Túnel"', onde a urgência pulsa: "procuro escapar pelo alçapão / que não encontro / rastejo pela tomada / tateio no telefone /.../ não vislumbro rota de fuga / para a claridade"
Desnecessário lembrar que claridade aqui é o lugar do outro, comunhão celebrada nos corpos, nas almas e nas mãos que telegrafam afetos. Essa sede de horizonte coletivo sustenta o poema final "Liturgias". Nele, o poeta mira a “longa novela global das 8” e, frente a tanta injustiça e violência, reitera sua recusa de qualquer transcendência que não seja — para usar a expressão de Gullar que Segall toma de empréstimo voltada para os homens, uma “transcendência horizontal”.
Alberto Martins
Maurício Segall, paulistano da Vila Mariana desde que nasceu em 1926, museólogo e economista, fundador do Museu Lasar Segall e na sua direção durante 32 anos. militante ativo na esquerda brasileira desde 1950 até recentemente, é autor de duas peças de teatro premiadas: A Formatura (editada pelo Serviço Nacional de Teatro, 1967) e O coronel dos coronéis (Civilização Brasileira, 1978), e autor do livro de poemas Mascaras ou O aprendiz de feiticeiro (lluminuras, 2000), da coletânea de ensaios e artigos Controvérsias e dissonâncias (Edusp/Boitempo, 2001) e de 30 anos à frente do Museu Lasar Segall (Museu Lasar Segall, 2001).