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Poucas vezes a literatura indagou, de
forma tão radical, o fascínio que o crime exerce sobre os sujeitos como
possibilidade de redenção social e existencial. Os sete loucos e Os
lança-chamas, romances centrais da obra literária de Roberto Arlt, levam
até as últimas consequências essa indagação. Uma galeria espectral de personagens,
cujas vidas se afundam na penúria econômica, na miséria moral e nos porões do
delito, desfila por estas páginas, que, implacáveis, evitam a denúncia social,
a compaixão e o didatismo moralizante. O roubo, o assassinato, a delação, a
prostituição, a fraude, a perversão do desejo oferecem-se como as únicas saídas
vitais para essas personagens, que, em um compromisso brutal com a verdade,
assumem o delito como condição de possibilidade da existência. Erdosain e a
coleção de figuras excêntricas que o acompanha — Barsut, o Astrólogo, Ergueta,
O Rufião Melancólico, a Coxa, O Homem que viu a Parteira — não são simples
máquinas delituosas, pelo contrário, cientes da situação em que se encontram,
mergulham numa introspecção buscando o conhecimento de si mesmos e, sobretudo,
a compreensão de um mundo que não cessa de mostrar o cerne arbitrário das
regras que o sustentam. Uma lucidez inexorável que, por momentos, beira a
crueldade, permeia os diálogos, as confissões, os monólogos ou as fantasias
dessas personagens que resistem a qualquer gesto comiserativo.
Esse conjunto de raros e excluídos
transita pela cartografia exasperada de uma Buenos Aires complexa e febril que,
no final dos anos 20, exibe sem pudor o reverso monstruoso das utopias
modernas. O contraste domina nessa cena urbana, que, de maneira caótica,
justapõe a pobreza das zonas periféricas, o glamour dos bairros nobres, a
desolação das áreas fabris e a convulsão das ruas do centro crivadas de
inovações tecnológicas que distorcem a promessa futurista do progresso.
Crispada e contraditória, a cidade arltiana transforma-se em um laboratório de
transgressão para esses desajustados, que não se detêm ante nada na hora de
imaginar utopias de mudança social que se fundam na intriga e no crime e que,
na sua manifestação extrema, chegam a roçar o delírio.
O traço anarquizante dessas ficções
não se limita à configuração das personagens e à organização da trama,
desloca-se também para um trabalho transgressivo com a língua, que subverte os
modos cultos e corretos das tradições literárias dos letrados. A escrita de
Arlt inscreve na própria língua a violência com que os fluxos tumultuosos e
pouco inteligíveis da cidade moderna atraem e expulsam os sujeitos. Uma forma
eficaz e, por isso, rotundamente atual, de evidenciar, como o próprio Arlt
dizia, que “entre os ruídos de um edifício social que desmorona
inevitavelmente, não é possível pensar em bordados”.
Ana Cecilia Olmos
Autor(a) | Roberto Arlt |
Tradutor(a) | Maria Paula Gurgel Ribeiro |
Nº de páginas | 248 |
ISBN | 978-65-5519-000-7 |
Formato | 15,5X22,5 cm |