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Inclui textos de Paul Valéry, Contador Borges e Denis Bruza Molino com 42 reproduções das litografias de Odilon Redon
Pode-se ler este livro como uma alegoria: o deserto
em que vagueia o anacoreta, por entre penhascos e areia, tudo povoado por
fantasmagorias e alucinações, é também o da literatura, aquele espaço
literário, já esvaziado, repleto de tentações, e que Maurice Blanchot, num
gesto de pura e absoluta genialidade, soube ler, de modo tão preciso quanto
complexo, como etapa decisiva na formação da chamada literatura moderna.
Alias, seria toda uma outra e longa história pensar
no deserto como espaço formador da própria literatura: neste caso, deserto é,
ou pode ser, sinônimo de recusa e de negatividade, uma das categorias
fundamentais, como se sabe, do moderno em literatura e nas artes.
É um arco tenso: desde o que há de desértico na
Mancha, de Cervantes e do comovente Cavaleiro da Triste Figura, até aquele dos
tártaros de Buzatti. Ou aquele capaz de provocar o aparecimento de um pomar às
avessas, como está no João Cabral de Melo Neto de Psicologia da
composição.
A tensão do arco se desfaz, no entanto, pela
entrega às tentações da positividade que são os significados sem risco: a
aceitação da literatura que diz, com certeza, algumas coisas já consumidas pela
tradição literária.
Flaubert sabia disso e a primeira grande tentação
era aquela do conhecimento enciclopédico que viria eliminar o deserto por uma
acumulação impiedosa de livros e saberes cuja maior crítica ele haveria de
realizar em Bouvart e Pécouchet.
Este livro deixa ver, de modo incipiente, como cabe
a obras iniciais, traços dessa resistência e, por que não dizer, dessa luta
sobre-humana em prol da recusa e do risco.
Não é a isso que se chama de flaubertiano, por
excelência, a essa luta pelo esvaziamento de um espaço que deve ser assumido
pelo rigor quase suicida da linguagem?
A história foi contada em detalhes por esse
admirável Maxime du Camp no quinto capítulo de suas ricas Souvenirs
littéraires (1822-1894), intitulado precisamente “La tentation de
Saint Antoine”.
Gustave Flaubert convocara dois amigos, Maxime e o
poeta Louis Bouilhet, para ouvir, sem direito a interrupções, a leitura do novo
livro que ele terminara de escrever, depois de anos de trabalhos que envolviam
pesquisas históricas e religiosas volumosas e rigores estilísticos. Trabalhos
tão exigentes que chegaram a por em perigo a saúde do jovem escritor, o que
motivará a viagem que fará, em seguida, ao Oriente.
Reuniram-se no retiro flaubertiano de Croisset e,
com paciência e contenção, submeteram-se à audição do longo texto.
“A leitura, diz Du Camp, durou trinta e duas horas;
durante quatro dias ele leu, sem esmorecer, de meio-dia a quatro horas, de oito
horas a meia-noite. Foi estabelecido que nos reservaríamos nossa opinião e que
não a expressaríamos senão depois de ter ouvido a obra inteira.”
O veredito acerca do manuscrito foi anunciado por
Louis Bouilhet e ele foi arrasador: “Pensamos que é preciso lançá-lo ao fogo e
nunca mais voltar a falar dele.”
Os argumentos para um julgamento tão radical são
analisados pelo próprio Du Camp e eles se resumem em que não podiam entender
uma narrativa que fugia tão completamente dos princípios da verossimilhança
realista, terminando por dificultar a compreensão e o entendimento. Ou, como
diz Du Camp: “Sob o pretexto de levar o romantismo ao extremo, Flaubert, sem
que ele disso duvidasse, voltava atrás, voltava ao abade Reynal, a Marmontel, a
Bitaubé mesmo, e caía na difusão.”
Muito mais tarde, Flaubert fará uma revisão do
texto. Não antes de tentar outras obras mais de acordo com as críticas dos dois
amigos, como Madame Bovary e Salambô. Precisamente
aquelas obras que Paul Valéry, no texto usado aqui como prefácio, afirma
oferecer menos encantos do que as Tentações...
É a obra refeita que agora se lê nesta edição,
enriquecida pelas obras de Odilon Redon e pelos ensaios de Paul Valéry,
Contador Borges e Denis Bruza Molino, assim como pela competente tradução de
Luís de Lima, bem na linha de Novembro, do mesmo autor, publicado
pela Iluminuras.
JOÃO
ALEXANDRE BARBOSA
Autor(a) | Gustave Flaubert |
Tradutor(a) | Luís Lima |
Ilustrador | Odilon Redon |
Nº de páginas | 256 |
ISBN | 978-6-555-19072-4 |
Formato | 15,5x22,5 cm |