Seu carrinho está vazio.
Ao ler o manuscrito de Ismael Caneppele que chegou nas minhas mãos, intitulado Os famosos e os duendes da morte, algo tomou conta de mim. As palavras do autor me encontraram e foi sua sensibilidade e poesia que me convidaram a adentrar seu universo. O livro traz em si sentimentos escondidos de um adolescente que vive o conflito entre ficar e partir, pertencer e negar. Convidei-o para escrever o roteiro comigo, partindo do universo do livro. A ideia não era adaptá-lo, e sim criar um diálogo entre as palavras do livro e as imagens do filme, buscando sentimentos análogos para o leitor/espectador. É por isso que não existe essa bobeira de ler o livro primeiro, para depois ver o filme, ou saber o final, etc. É mais do que isso. Tudo dialoga e se complementa. Um retrato das inquietações do adolescente atual e sua relação com a internet, na eterna busca de uma identidade, onde os pixels são uma realidade e vida real não tem fronteiras. Enquanto Ismael mergulhava em seu próprio universo, descobrindo coisas que não ousava pensar, eu entrava em um mundo frio e nebuloso, em um inverno rigoroso do sul alemão de um país tropical. Ismael me apresentou Nelo Johann e suas músicas, que fizeram parte desde o desenvolvimento do roteiro até a trilha sonora final. E foi na internet que encontramos os protagonistas Henrique Larré e Tuane Eggers. Ela, tão jovem, já sabia como queria clicar o mundo. As fotos no filme foram todas tiradas por ela, que emprestou seu universo à trama e aos vídeos realizados por ela mesma e Ismael. Essa sucessão de encontros resulta em um MOVIMENTO, chamado Os famosos e os duendes da morte. É um livro, um filme, fotos, vídeos e música.
ESMIR FILHO
Como é bonito este livro. Belo, belo. Porque me lembra a melancolia do Bandeira. “A solidão dos píncaros”. Porque Ismael Caneppele é poesia pura. À flor de Caneppele. Música para os nossos sentidos. A sua voz de escritor. Lembro quando conheci o Ismael. Por volta de 2006. Ele veio e me mostrou os originais do seu livro Música para quando as luzes se apagam. Outra vez o Bandeira: “Quando de noite me der / vontade de me matar”. Não. Não é nada baixo astral o que Ismael escreve. É coisa elevada. Respiração. Foi o que eu disse quando li seu primeiro trabalho: “Rapaz, você vai longe”. Porque tem personalidade. Fogo e fôlego. Paixão e compaixão. Porque sabe onde doem nossos fantasmas. Medos e anseios. Ismael é fluente. Corre solta a sua prosa. Transparente. Eu gosto desse jeito. De quem se mostra sem delongas. Com verdade. Autobiográfica sensibilidade. Caneppele se desmancha. A gente avança por suas páginas. Com vontade de levar tudo para casa. Explico: extrair frases lapidares. Anotar na alma cada pulsação. Ismael é timidamente grande. Agora, então, com este Os famosos e os duendes da morte (que virou filme homônimo, dirigido por Esmir Filho, grande vencedor do Festival do Rio 2009) não tem mais volta. Essa maldição da escrita, falo. Este ofício dos diabos. Escrever para não morrer. Mais Manuel: “eu faço versos como quem morre”. No seu anterior, Música para Quando as Luzes se Apagam, Caneppele acompanhava vinte dias na vida de um garoto de 14 anos. Neste Os famosos, são três dias na pele de um outro adolescente. À beira de deixar a cidade em que vive. Ou seja: a gente já começa as narrativas de Ismael esvaindo-se. Tudo se distanciando. Tudo desaparecendo. Penetrando no esquecimento. Já sabemos do nosso destino. Desde menino, o fim. Repito: não é livro, assim, fatalista. Nem pessimista. É o que se é. A vida, essa ferida que carregamos. Para sempre. Na memória. Essa última canção do beco. Outra vez o Bandeira: “Beco das minhas tristezas [...] Das paixões sem amanhãs”. Caneppele é bem isto. É o que ele nos conta. E canta. Em sua obra sonora e vigorosa. Neste Famosos, inclusive, Bob Dylan chega a ser trilha e personagem. Referência e linguagem. Ismael é inventor de linguagem. É autor que, definitivamente, precisa de mais atenção. Não podemos perder de vista o seu talento. Raro. Belo, belo. Dos poucos que brilham. “Na cinza das horas”. De dentro desta nossa escuridão.
MARCELINO FREIRE