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Alfredo Aquino é um artista plástico. Neste seu primeiro livro de ficção, procura o que chama de “texto pictural”. Usa o texto como tela para retratar personagens que vivem situações entre o imaginado e o real. Personagens solitários, em histórias sem um aparente fio condutor, mas de grande poder narrativo – e expressividade visual.
Um pesquisador que julga encontrar nas margens do velho mapa de um almirante francês em viagem pelo Brasil do século XVIII as origens de sua cidade natal.
Uma mulher que não consegue controlar a própria intolerância e desenvolve uma língua de serpente.
Um homem que recebe a visita noturna de uma vizinha misteriosa, que se torna sua amante sem nunca revelar seu nome.
Um bancário obcecado pelo comportamento das baratas, que não recebe a atenção que pensa merecer das autoridades e da ciência para suas observações.
A narrativa, concisa e direta, serve de moldura e contraste para as descobertas e fantasias de cada um, num clima insólito e fascinante.
Não há dúvida, Alfredo Aquino também é um artista da palavra.
Luis Fernando Veríssimo.
A moça era loira, esguia e histérica.
O loiro, artificial, era relativamente antigo e ninguém se lembrava mais da cor original, escura. Talvez nem fosse possível reconstituir o verdadeiro tom primitivo, pela perda natural de intensidade daquela cor da juventude e pela alteração ocorrida no volume dos fios.
Isso fora algo notável para ela, o cabelo afinara, ficara, mais ralo e liso, a princípio um tanto mais sedoso e, depois, lastimavelmente, ela acreditava com desolação, fragilizara-se.
Não adiantou a troca frenética dos xampus, cremes e condicionadores, no início apenas uma mudança simples de marcas, depois a decisão pela pesquisa de uma solução milagrosa nos produtos caros e importados, de logotipos famosos. Nada resultou, o cabelo afinara e perdera o seu volume imponente. Uma questão de idade e de hormônios, quem sabe?
Dra. Ou dona Lamia, chamavam-na de d.Lia, de Leila , de dra. Sofia, até de dr. Lama... Vinha assim na sua correspondência, ela não corrigia e nem se reconhecia mais nas velhas fotografias, uma vez que as imagens da memória tinham se diluído e as fotografias em papel agora amarelecido, de tão antigas, pareciam ser de outra pessoa.
Ninguém a reconheceria ali, nem Lamia nem Sofia, naquelas fotos de um passado ainda breve, fugaz como um relâmpago sem estrondo e, agora, definitivamente perdido. Percebia-se ainda interessante e atraente ao reencontra-se, como surpresa, nas fotos em preto e branco que guardara e nessas, especialmente, pela máscara italiana definida e pelo espantoso volume de cabelos negros. Aparentava uma figura deliciosamente anacrônica, de um outro século (o que de fato, era verdadeiro).