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Sylvia Beach dizia que Joyce comparava a história à brincadeira do telefone sem fio, na qual alguém sussurra alguma coisa no ouvido da pessoa ao lado, que a repete não muito perfeitamente para a próxima pessoa, e assim por diante; quando a última pessoa escuta, a frase surge completamente transformada. Parece-me que Joyce levou essa brincadeira para a sua ficção.
Em Finnegans Wake, ele diz, na página 5, em tradução de Afonso Teixeira, que “Deve perfazer agora mil e uma estórias conhecidas e parecidas”. Além disso, destaca-se que Finnegans Wake é uma grande fofoca: tudo gira em torno de um possível crime cometido por HCE.
Ninguém tem certeza de nada, e cada um que conta a história conta de uma forma diferente. Afinal, lê-se na página 440, em tradução de Aurora Bernardini: “Aplique seus cinco saberes às quatrúltimas verdades”.
Instigada pelo próprio Joyce e pela fofoca que emerge em Finnegans Wake, foi que decidi empreender uma tradução coletiva em 2016.
Cada tradutor ficou responsável por um ou mais capítulos do livro. As traduções foram feitas quase ao mesmo tempo e, idealmente, cada tradutor contou a sua versão da história para os outros.
Como uma boa fofoca, de conto em conto aumenta-se um ponto, ou diminui-se. Mas os olhos não podiam ficar de fora; Sérgio Medeiros traduziu em ilustrações cada uma das quatro partes que compõem o livro.
Portanto, há muitas vozes nesta tradução, muitos pontos de vista e diferentes interpretações da história joyciana. Se uma voz masculina “começa” narrando a história (que não tem começo, meio nem fim, pois é circular), é uma voz feminina que “termina” o livro.
Os tradutores são todos estudiosos de Joyce ou das vanguardas de um modo geral. Cada um traz uma bagagem cultural que se revela em suas escolhas tradutórias. Há capítulos mais solenes, outros mais descontraídos; alguns mais enfaticamente eróticos, outros menos; e há também capítulos que destacam a história na Irlanda de Joyce, da época de Joyce, e outros que mesclam a história da Irlanda com a do Brasil contemporâneo.
Essa multiplicidade de vozes revela também as diferentes leituras que se pode fazer do livro, que na verdade é sisudo e cômico, erótico e pornográfico, que conta a história da Irlanda, que simboliza os muitos países colonizados.
O “Coletivo Finnegans” é formado por Afonso Teixeira Filho, Andréa Buch Bohrer, André Cechinel, Aurora Bernardini, Daiane Oliveira, Dirce Waltrick do Amarante, Fedra Rodríguez, Luis Henrique Garcia Ferreira, Sérgio Medeiros, Tarso do Amaral, Vinícius Alves e Vitor Alevato do Amaral.
Finnegans Wake é um livro que exige uma outra forma de leitura, que não aquela a que estamos acostumados. Ele pede um leitor performático, que cante suas linhas, que não se preocupe em “entender” o todo, pois o livro é feito de fragmentos, é uma colcha de retalhos, cada retalho tem característica e história próprias, cada palavra é um cosmo ou “caosmos”, como se lê na página 118, em tradução de Daiane Oliveira. Então, escutemos Joyce de olhos abertos!
Dirce Waltrick do Amarante,
Organizadora do volume