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Genealogias da amizade, de Francisco Ortega, é o terceiro de uma série de três livros dedicados ao tema da amizade. Os dois primeiros foram: Amizade e estética da existência em Foucault e Para uma política da amizade — Arendt, Derrida e Foucault.
O assunto jamais havia sido estudado no Brasil com a seriedade, o rigor e o entusiasmo dos bons trabalhos acadêmicos. Isso, por si, justificaria o interesse com que deve ser lido. O autor, porém, vai adiante. Genealogias da amizade não é uma mera pesquisa erudita sobre as raízes histórico-filosóficas do termo. Francisco Ortega, ao redescrever a amizade, re-ilumina seu sentido trivial de complexo emocional ou relacionamento pessoal, e se lança em uma empreitada mais ampla.
Em primeiro lugar, ele pergunta, a modo de Renato Janine Ribeiro, como trazer de volta a paixão à esfera dos negócios públicos, evitando a clausura dos interesses de grupelhos privados ou a uniformização histriônica dos comportamentos de massa. Se a política é digna, se ela é o teatro privilegiado do aparecer mundano dos sujeitos, não podemos continuar a entregá-la aos agiotas high-tech, aos burocratas, aos senhores da guerra ou, o que é pior, aos corruptos e mafiosos de todo gênero. Aqui a marca inequívoca é de Hannah Arendt e seu plaidoyer pelo amor ao mundo.
Em segundo lugar, ele quer restituir ao sujeito a liberdade do pensar e do agir, amarrada à cultura da intimidade decadente e ressentida ou à recém-criada cultura das bioidentidades e da bio-ascese. Em outros termos, como trazer de volta a paixão da ação, paralisada pela ruminação intimista e pela rendição às “políticas” de identidades raciais, sexuais, geracionais e, sobretudo, à tirania da fitness, da boa forma. Aqui é Foucault que brilha com sua inconfundível defesa da afirmação ética do sujeito contra as práticas de sujeição moral.
Em terceiro lugar, ele quer, pelo recurso à tradição intelectual, mostrar o valor daquilo que é feito para durar, em oposição ao que é feito para se tornar rapidamente obsoleto. Só o que permanece fornece um quadro suficientemente estável para que possamos criar o novo, reconhecendo a novidade do que foi inventado. A “história do presente” é o meio pelo qual tomamos distância do que somos, pensamos e fazemos, a fim de tentar, ao preço de erros e acertos, imaginar mundos melhores.
Três grandes objetivos, três grandes tarefas, três grandes compromissos que só um “intelectual agente”, que confia na condição plural dos humanos, poderia assumir.
Um belo livro. Para ser lido, relido, refletido e, depois, transformado em ação.
Jurandir Freire Costa