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Edição preparada por: David Lapoujade
Quando desaparece um filósofo como Gilles Deleuze, é inevitável que seus admiradores saiam à cata de possíveis “inéditos”. Não haveria em suas gavetas um livro inacabado sobre Marx, ou sobre Plotino? E textos menores? Ou mesmo as cartas, não revelariam confidências picantes sobre sua relação com Lacan, ou mesmo com Guattari, com quem dividiu boa parte de sua produção teórica?
A decepção foi inevitável: tudo o que Deleuze quis publicar foi publicado em vida. As instruções testamentárias eram categóricas: não haveria póstumos. Nenhum “segredo” seria revelado, pois não havia segredos – estava tudo ali, na superfície dos textos publicados (“o mais profundo é a pele”).
Havia sim, além dos trinta livros escritos ao longo de quarenta anos, vários textos esparsos, porém já publicados: uma resenha aqui, uma entrevista acolá, um prefácio circunstancial – tudo difícil de encontrar, senão impossível. Era hora de juntar tudo isso.
David Lapoujade foi incumbido de reunir e organizar esse material, e o fez com cuidado e discrição. Assim, neste volume vemos as marcas de vinte anos da febril atividade filosófica de Deleuze. O leitor encontrará aqui artigos luminosos sobre Bergson, Kant, Nietzsche, Hume.
Mas verá também os traços de um confronto, nem que seja cômico, com os movimentos do pós-guerra francês, seja com o estruturalismo, o marxismo, a fenomelogia, a psicanálise.
Por fim, terá ainda um testemunho vivo do que foi Maio de 68 para Deleuze, bem como seu encontro com Félix Guattari, com a explosão de uma temática política e subjetiva, inteiramente antenada com a reviravolta vinda da rua.
Nessa sequência heterogênea, pequenas pérolas, como a comovente homenagem a Sartre (“Ele foi meu mestre”), uma conversa ensandecida sobre pintura (“Faces e Superfícies”), ou o enigmático texto que dá título ao volume, preparado para uma revista de turismo (!) – único realmente inédito.
Há duas maneiras de desconhecer um grande autor, diz Deleuze – e isso se aplica inteiramente aos textos dessa coletânea. Ora ignorando o caráter sistemático de sua obra, sua lógica profunda (que aqui aparece claramente na gênese ou na recorrência de um conceito como “diferença”), ora ignorando “sua potência e seu gênio cômicos, de onde a obra retira geralmente o máximo de sua eficácia anticonformista”.
Com Deleuze, como o mostra o ziguezagueante livro que o leitor tem em mãos, aprende-se que o pensamento é, paradoxalmente, inseparável de sobriedade e de gargalhadas. Mas também, que a solidão do filósofo, sempre povoada, como diz ele, é indissociável da agitação de seu tempo, cuja vitalidade lhe cabe captar e restituir.
Peter Pál Pelbart
Índice
Nota sobre a tradução deste livro
Apresentação (por David Lapoujade)
[Trad. de Luiz B. L. Orlandi]
1. Causas e razões das ilhas desertas [Manuscrito dos anos 50]
2. Jean Hyppolite, Lógica e existência [1954]
3. Instintos e instituições [1955]
[Trad. de Hélio Rebello Cardoso Júnior]
4. Bergson, 1859-1941 [1956]
[Trad. de Lia Guarino]
5. A concepção da diferença em Bergson [1956]
[Trad. de Lia Guarino e Fernando Fagundes Ribeiro]
6. Jean-Jacques Rousseau – Precursor de Kafka, de Céline e de Ponge [1962]
7. A idéia de gênese na estética de Kant [1963]
[Trad. de Cíntia Vieira da Silva]
8. Raymond Roussel ou o horror do vazio [1963]
9. Ao criar a patafísica, Jarry abriu caminho para a fenomenologia [1964]
10. “Ele foi meu mestre” [1964]
[Trad. de Francisca Maria Cabrera]
11. Filosofia da Série Noire [1966]
12. Gilbert Simondon, O indivíduo e sua gênese físico-biológica [1966]
13. O homem, uma existência duvidosa [1966]
[Trad. de Tiago Seixas Themudo]
14. O método de dramatização [1967]
15. Conclusões sobre a vontade de potência e o eterno retorno [1967]
16. A gargalhada de Nietzsche [1967]
[Trad. de Peter Pál Pelbart]
17. Mística e masoquismo [1967]
[Trad. de Fabien Lins]
18. Sobre Nietzsche e a imagem do pensamento [1968]
[Trad. de Tomaz Tadeu e Sandra Corazza]
19. Gilles Deleuze fala da filosofia [1969]
20. Espinosa e o método geral de Martial Gueroult [1969]
21. Falha e fogos locais [1970]
22. Hume [1972]
[Trad. de Guido de Almeida]
23. Em que se pode reconhecer o estruturalismo? [1972]
[Trad. de Hilton F. Japiassú]
24. Três problemas de grupo [1972]
25. “Aquilo que os prisioneiros esperam de nós…” [1972]
26. Os intelectuais e o poder (com Michel Foucault) [1972]
[Trad. de Roberto Machado]
27. Apreciação [1972]
28. Deleuze e Guattari explicam-se [1972]
29. Hélène Cixous ou a escrita estroboscópica [1972]
30. Capitalismo e esquizofrenia (com Félix Guattari) [1972]
[Trad. de Rogério da Costa Santos]
31. “E quanto a você ? Que são suas ‘máquinas desejantes’?” [1972]
32. Sobre as cartas de H. M. [1973]
33. O frio e o quente [1973]
[Trad. de Christian Pierre Kasper]
34. Pensamento nômade [1973]
[Trad. de Milton Nascimento]
35. Sobre o capitalismo e o desejo (com Félix Guattari) [1973]
36. Cinco proposições sobre a psicanálise [1973]
37. Faces e superfícies [1973]
38. Prefácio ao livro L’Après-Mai des faunes [1974]
[Trad. de Daniel Lins]
39. Uma arte de plantador [1974]
Bibliografia geral dos artigos (1953-1974)
Índice onomástico