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O que surpreende de imediato neste livro é a juventude da voz, infância desabrochando na adolescência, ocupada em crescer, compreender, sentir, confundir-se, perder. Autobiografia que se disfarça, no horror de intuir que a alma não é tão branca como as meias (“Os finados") e que uma bomba-relógio inevitavelmente explodirá a família no sétimo dia ("Domingo"). Esse tom, ou ressonância, impõe ao texto uma perpétua oscilação, enquanto marca de construção da subjetividade, iluminada de vários focos, fixados numa espécie de árvore do tempo. Este é mesmo o titulo e o sentido de um dos textos basilares dedicado à Nona, que ensina à criança o “equilíbrio de pesos e proporções" derivado de "uma pericia milenar" ("Árvore"). A cabeleira da avó, tramada como uma escrita, faz-se “túnel de memórias", acondiciona fantasias, abre-se como uma cortina ao devaneio da menina.
Em seu limite esse núcleo movente da construção alcança o registro estilístico, que vai distraidamente da casualidade à imitação do ensaio, ou à preciosidade. Por isso o “intervalo" do titulo deve ser interpretado ao pé da letra: entre-estar, estar entre dois modos, dois tempos, dois corpos (o pai, a avó), distância que afinal nos oferece objetos trincados: podem ser mencionados, mas já não são mais. Entretanto são eles que constituem o horizonte do narrado, isto é, a História, atualizada em mitos e ideologia, testemunhos e crônica de época. São também esses objetos, raptados de "uma existência arcaica" ("O purgatório"), que harmonizam tons e personagens, dando-lhes concretude e credibilidade. Por isso, se há perguntas inspiradas numa metafísica "boba", como a chamou Barthes, as respostas estão longe da simplicidade. A mais radical é dada por Alda Albanesi, a atriz do último conto. Como a suicida de “A noite", ela salta da ponte alta, desta das convenções retóricas, para o caminho sem volta de quem se faz refém das manobras da sensibilidade. Imitando um mito de origem (poderemos falar de uma "mitologia crítica"?), Alda Albanesi nasce para a morte da razão.
Vilma Arêas