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Como fazer uma pele, como inventá-la? Como fazer da pele um procedimento? Essas são perguntas – que são também um convite e uma interpelação – que nos faz Eduardo Jorge. Inventar uma pele, aqui não é ir ao encontro do “novo”, do que promete uma nova vida, uma imunidade – uma pele mais resistente –, a capacidade de nos isolar e “ser outros”. Longe disso: a pele aqui é memória e matéria, espaço de relação, de contato e contágio, de abertura e adesão. A pele, entre matéria e memória: o que acontece entre uma e outra, a infinidade de temporalidades, forças e afetos que ocorrem nas dobras da matéria exposta como pele. Memória e matéria no limite do humano: aí inventar uma pele. Naquele limiar no qual as intervenções de Nuno Ramos nos lançam, o livro de Eduardo Jorge de Oliveira localiza os contornos de nossa sensibilidade e a escala de nossas interrogações.
A invenção de uma pele – Nuno Ramos em obras é um texto crítico chave. Coloca com precisão inusitada o campo da ressonância no trabalho de Nuno Ramos, e faz isso não sob o signo de uma “poética”, que sempre tende à unidade da Obra, mas no impulso de um “manual de procedimentos”, de repertório prático de exercícios e de operação sobre as “formas-limite” dos corpos e suas forças, formas irredutíveis às certezas das identidades, do indivíduo e da forma mesma do humano.
Ao mesmo tempo, A invenção de uma pele é também a trama de um território crítico que define novos vocabulários estéticos. Uma crítica também “em obras”, que desmantela tradições disciplinares para mapear conjugações inéditas entre literatura e artes plásticas com suas novas demandas críticas. A resposta de Eduardo a este horizonte não só nos ajuda a ativar os procedimentos estéticos de Nuno Ramos, como também nos impulsa, acima de tudo, a atravessar de modos originais o relevo do presente, tocar as texturas do desconhecido, dar palavras às nossas perguntas – registrar e reconhecer, sob uma nova luz, as peles que nos habitam, as passagens que nelas se abrem, as linhas que são aquelas da nossa existência exposta.
Gabriel Giorgi
Eduardo Jorge de Oliveira - A invenção de uma pele: Nuno Ramos em obras.♥
A invenção de uma pele: Nuno Ramos em obras, de Eduardo Jorge de Oliveira (2018) deixa entrever já no título um dos eixos temáticos de análise das obras do multiartista paulistano - a invenção de uma pele - bem como a escolha metodológica para aplicação dessa análise: a obra do artista em seu conjunto, numa perspectiva integrada entre plástico e literário. A pele, tema recorrente em Nuno Ramos, tanto na escrita - “Comecei a arrancar a pele das coisas. Queria ver o que havia debaixo. Ergui a superfície do assoalho, que saiu inteira sem quebrar” (Ramos, 1993/2011, p. 29) -, quanto em suas obras de arte plástica, como Pele I (1988) e Pele III (1989), representa, para além de uma temática, um verdadeiro procedimento estético. A busca de uma pele, a criação de uma pele ou o ato de arrancá-la resultam em práticas de criação.
Enquanto ensaio de verve estilística altamente literária, o livro estrutura-se em sete partes principais: “Pele, textura da animalidade”, “Pele e expansão literária”, “Inventar um lugar, fazer pele”, “Manto: camadas de pele, pintura”, “Inventar uma pele, transferir uma pele, possuir uma pele”, “Breve retorno: Proteu e a invenção da pele” e “Nuno Ramos em obras”. Cada parte, à exceção da última (um apêndice de imagens coloridas), é marcada por giros (primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto), a fim de assinalar uma viagem dentro da obra do autor,1 como uma rodada que não exaure o que se tem para dizer. Talvez, esses giros, em que são abordadas obras plásticas e literárias escolhidas, sejam só o início de uma reflexão em espiral que, exatamente como a roda, nunca acaba.