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O livro que o leitor tem em mãos propõe um caminho fértil para a abordagem das novas formas conceituais, poéticas narrativas que hoje estão sendo experimentadas em meios e suportes não-lineares, como as memórias de acesso aleatório dos computadores, as redes telemáticas e dispositivos de armazenamento tais como CD-ROMs, CD-Is, laserdises, DVD, etc. Sabemos que esses meios e suportes possibilitam uma recuperação interativa dos dados armazenados, ou seja, eles permitem que o processo de "leitura'" seja cumprido como um percurso, definido pelo próprio "leitor" (agora chamado de usuário), ao longo de um universo textual e audiovisual onde todos os elementos são dados de forma simultânea. Nesses novos formatos de estruturação de textos, imagens e sons, o usuário pode entrar no dispositivo a partir de qualquer ponto, seguir para qualquer direção e retomar a qualquer "endereço" já percorrido. A disponibilidade instantânea de todas as possibilidades articulatórias do sistema verbo-áudio-visual favorece uma arte da combinatória, uma arte permutativa, definida mais pelas suas leis de articulação, pelo algoritmo combinatório, do que pelas soluções apresentadas como definitivas e acabadas.
Passados os primeiros momentos de euforia com a descoberta das possibilidades das novas máquinas, passado o deslumbre diante da pura novidade técnica da interatividade, é chegada a hora da verdade, quando artistas, criadores, críticos e investigadores em geral (e não apenas técnicos de laboratório) deverão propor formas mais orgânicas e novas estruturas narrativas adequadas para as arquiteturas permutativas. Aqui aparecem realmente as dificuldades, pois, a rigor, não temos uma tradição de obras interativas em que nos baseamos. Quando o cinema surgiu, ele foi buscar seus modelos narrativos na literatura e no teatro. Onde deveríamos buscar modelos discursivos para as novas mídias? Estamos aparentemente diante de uma situação de tabula rasa: tudo parece que deve ser pensado a partir da estaca zero.
Lucia Leão não parece concordar com a ideia de uma tabula rasa. Neste seu luminoso livro, ela propõe um caminho de análise, uma alternativa de abordagem capaz de recolocar a questão da hipermídia dentro do grande panorama das culturas humanas de hoje e de sempre. O que ela propõe basicamente é pensar a hipermídia a partir da metáfora do labirinto, partindo da consideração de que as novas formas midiáticas reproduzem com perfeição a estrutura intrincada e descentrada deste último. Nada mais adequado ao objeto de exame, já que, como foi observado por Pierre Levy em L'Intelligence Collective, a forma labiríntica da hipermídia repete a forma labiríntica do chip, ícone por excelência da complexidade em nosso tempo.
Assim, o percurso e a aventura intelectual de Leão ocorrem em duas direções paradoxais e aparentemente contraditórias: em direção aos processos tecnológicos do futuro e, ao mesmo tempo, em direção às formas mitológicas do passado. O livro de Leão faz eco, portanto com uma nova mentalidade crítica que consiste em pensar os novos dispositivos tecnológicos dentro do panorama maior da cultura do homem, permitindo dessa forma vislumbrar melhor as suas reais possibilidades como sistema expressivo.
Como não poderia deixar de ser, a discussão proposta por Leão sobre as estruturas mais adequadas aos meios interativos, combinatórios e paradigmáticos hoje possibilitados pelas tecnologias digitais estende-se até a consideração da Web e das formas de "escritura” praticadas agora nas redes telemáticas. O dado novo introduzido pelas redes é a possibilidade paradoxal de navegar e produzir links não apenas internamente, entre os elementos constitutivos de um mesmo trabalho, num mesmo e único site, mas de saltar de um site a outro, o que quer dizer de uma narrativa a outra completamente distinta e concebida por outros criadores, em outra situação cultural, em outro país, possivelmente até em outra língua. A possibilidade de orquestrar narrativas completamente distintas e de dar a elas alguma coerência é talvez o maior desafio que se apresenta hoje aos criadores na área da hipermídia, pois se trata basicamente de imaginar situações criativas que podem ser aleatoriamente combinadas a outras produzidas em outros contextos.
Hoje, em pleno auge da revolução digital, a ideia de uma cultura fundada sobre a interatividade depende ainda da superação do jargão tecnicista, restrito Como está à mera consideração (importante, mas não suficiente) de algoritmos, máquinas e programas. Talvez resida aqui a principal contribuição deste livro de Lucia Leão: sem deixar de enfrentar a questão técnica, a autora ultrapassa esse primeiro nível de considerações e coloca a discussão da hipermídia no panorama da cultura, da história da civilização e da evolução do pensamento humano. Interatividade implica, para ela, várias atitudes e procedimentos que não são exclusivamente técnicos. Em primeiro lugar, a interatividade implica, a reversibilidade das posições relativas de um “autor" e de um "usuário", a reconsideração da hierarquia de competências na relação homem-máquina e a consequente problematização de valores institucionais fortemente enraizados em nossa cultura. Em segundo lugar, a interatividade nos força a repensar o próprio sentido da “escritura" (seja ela verbal, audiovisual, multimídia, hipermídia ou o que quer que seja) e a redefinir o seu papel num contexto em que é o receptor quem determina, no momento da "leitura"', a forma e o sentido de um texto. Isso implica conceber obras “virtuais", ou seja, obras em estado potencial, constituídas apenas de seus elementos de articulação, obras móveis, metamórficas, passiveis de permanentes alterações, capazes de se manter em permanente diálogo com o “leitor" e de absorver as suas respostas. Por fim, resta ainda imaginar como todo esse substrato material, arquitetônico e institucional de uma cultura da interatividade poderia favorecer a construção de formas verdadeiramente mais complexas de consciência intelectual, verdadeiramente mais imaginosas de criação artística e verdadeiramente mais descentradas de convivência social. Tudo isso representa uma tarefa gigantesca a ser enfrentada pelo pensamento contemporâneo e para a qual este belo e instigante livro de Lucia Leão constitui uma contribuição decisiva.
Arlindo Machado