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Sade é, ainda hoje, um autor pouco estudado no Brasil. Constatação que por certo surpreende não só pela importância de sua obra, mas também pela notável produção de estudos em torno dela que as últimas décadas vêm testemunhando mundo afora. Já em 1973, uma bibliografia organizada por E. Pierre Chanover apontava quase seiscentos títulos sobre o marquês, quase todos editados a partir dos anos 1950. Acrescente-se a isso o expressivo número de trabalhos lançados desde então, quando se iniciou uma verdadeira exegese do pensamento sadiano, incentivada por traduções, eventos acadêmicos, filmes ou peças de teatro.
A ausência de reflexões brasileiras nessa pródiga área de estudos justificaria, por si só, a publicação deste notável ensaio assinado por Clara Castro. Nele, a pesquisadora acompanha passo a passo a construção do que poderíamos chamar de “argumentação libertina” para esclarecer a qualidade das razões que movem a existência do personagem sadiano. Não se trata, contudo, de apenas apresentar o complexo sistema que orienta as inclinações dos devassos, mas também – e principalmente – de lhe propor uma vigorosa interpretação.
Para tanto, a autora de Os libertinos de Sade se vale de uma estratégia engenhosa: no intento de conhecer a fundo seu objeto, ela se detém num dos maiores romances do escritor, optando por realizar análises minuciosas de seus principais protagonistas. O livro em questão é a monumental Histoire de Juliette, ou les prospérités du vice, obra de maturidade publicada em 1801, onde se encontram, na melhor forma e no maior vigor, aqueles tipos inconfundíveis que compõem a libertinagem do marquês. Porém, se esses personagens, uma vez reunidos, expõem o conjunto de práticas e teorias que seu criador chamava de “filosofia lúbrica”, o que mais interessa a Clara é abordá-los em sua irredutível particularidade, para então refletir sobre sua incontornável diversidade.
Daí o plural do título, que reitera o princípio sadiano da singularidade, fazendo jus a uma obra sem precedentes quando se trata de elogiar a liberdade de escolha. Atenta a essa tópica pouco desenvolvida pelos exegetas do autor, Clara combina erudição filosófica e sensibilidade literária para nos contemplar com um ensaio que excede em muito o intento de preencher uma lacuna do campo intelectual brasileiro. Pela qualidade de seu texto e pelo alcance de sua interpretação, o trabalho dialoga com desenvoltura com as mais finas análises do gênero produzidas hoje na Europa, abrindo prósperos caminhos para todos aqueles que se interessam pela provocante literatura filosófica de Sade.
Eliane Robert Moraes