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Publicada na clandestinidade, setenciada ao fogo, proibida ou censurada, a obra do marquês de Sade restou condenada ao silêncio por quase dois séculos. Até hoje – quando o escritor “maldito” parece ter cedido vez ao “clássico” –, a indomável ficção sadiana dá margem a especulações que, não raro, desembocam em equívocos.
Desvio de tal natureza costumam reduzir o autor à ideia de sadismo, ora incorporada por discursos científicos, ora explorada pelo mercado. Visões comprometidas, sobretudo se prescindem da leitura atenta do mestre de todas as libertinagens. Nada mais oportuno, portanto, do que voltar às raízes do pensamento e da vida do polêmico marquês para compreender a trama perversa do seu imaginário – tão difícil de ser qualificado.
Dotados de rara clareza, os ensaios de Eliane Robert Moraes configuram um olhar que privilegia a força imaginativa de Sade. Propositor de um erotismo sem precedentes, o criador da “Sociedade dos Amigos do Crime” funda um domínio único de expressão literária, marcado pelo excesso, cujos personagens devem ser compreendidos para além de qualquer alusão realista.
Procurando contemplar essa visão, as reflexões aqui apresentadas circulam entre a literatura, a filosofia e a história, voltando atenção especial aos detalhes que constituem a impressionante arquitetura erótica proposta pelo escritor francês. Por isso mesmo, justifica-se o destaque dado a temas inesperados, como as sociedades secretas da libertinagem, a alimentação dos devassos ou a paisagem noir dos castelos do deboche.
Essa diversidade também está presente nos comentários sobre as repercussões da obra sadiana, que constituem verdadeiro testemunho do seu efeito perturbador. Da exaltação do “divino marquês”, promovida pelos surrealistas, às reflexões que lhe dedicaram Octavio Paz ou Roland Barthes, o que se percebe é a notável e seminal influência da imaginação libertina sobre muitos autores que lhe sucederam.
Lidos em conjunto, os textos de Sade expõem o aprendizado de uma leitora exigente, que vem frequentando a literatura libertina há duas décadas. Eliane Robert Moraes, dotada de estilo sagaz e elegante, revela uma sintonia fina com os ensinamentos sintetizados na frase de um dos mais lascivos personagens do marquês: “Toda a felicidade do homem está na imaginação”. O mesmo vale para os leitores destas lições.