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MUSA ADOLESCENTE

JOAQUIM BRASIL FONTES

  • R$ 53,00

Num filme de Cocteau, um Orfeu moderno traz de volta sua Eurídice em automóvel. Orfeu dirige, Eurídice está no banco de trás. Foi proibido de vê-la durante o percurso, antes de chegarem ao mundo dos vivos. Se infringir o comando, irá perdê-la para sempre.

Sem querer, o rosto da amada aparece no retrovisor e Orfeu o percebe, inquieto, mas nada acontece, pois a imagem no espelho, aquele recorte de um rosto, não é a amada verdadeira. Contemplar o reflexo não é ver o rosto de quem se ama.

 Neste livro de Joaquim Brasil Fontes um personagem, o escritor realista, vê o mundo através de um espelho. Em verdade, ele nunca o encara. Há aqui uma sintonia com as páginas escritas por Proust em Le temps retrouvé a respeito da criação literária. O realismo ilusório indica o engano diante dos tesouros, das pedras verdadeiras. As coisas valem-se dos nossos olhares, das nossas memórias, dos nossos caminhos. O escritor é um tradutor, dizia Proust, um tradutor das suas relações com o mundo, daquilo que ele faz emergir de um passado, de um imaginário.

Há caminhos retos, bem traçados e bem tratados, asfaltados e sinalizados, autoestradas que nos levam de um lugar a outro, e que são, de fato, uma abstração do trajeto. Caminhos que não existem a não ser como eliminação da distância entre dois pontos, determinando assim a existência apenas do ponto de partida e do ponto de chegada. Há, ao contrário, caminhos tortuosos, que acabam no meio de um matagal para ressurgirem mais adiante, que atravessam rios, que contornam lagos, que se multiplicam e se fragmentam. Caminhos onde se abrem ardilosos buracos que nos engolem. Caminhos pulsantes em intensos percursos, que vivem em si mesmos, em cada momento do terreno, em cada curva do traçado. Caminhos que não levam a nada, caminhos que são, e basta.

Eles exploram mundos desconhecidos. Permitem pensar que nos dirigem para algo desejado, na realidade já oferecido e já encontrado. "Quem do Erebo entre as trevas, nas pegadas de Hércules e Piritous, conduz o pé?" Somos nós, os leitores, que pomos, como podemos, nossos pés nas pegadas de Joaquim Brasil Fontes, condutor de almas dentro de um Hades que ele mesmo criou, feito de recortes e de cacos, numa atitude literária que abre sendas multiplicando armadilhas.

Jorge Coli

Joaquim Brasil Fontes, nascido em Minas Gerais, estudou Filosofia e Letras em Besançon, França. É autor de ensaios sobre poesia (Lautréamont, Mallarmé) e teatro (Sêneca, Jean Racine). Tradutor para o português dos fragmentos remanescentes da lírica de Safo, dedicou à poeta grega um longo estudo: Eros, Tecelão de Mitos. A Poesia de Safo de Lesbos (São Paulo, Estação Liberdade, 1991). Publicou também: Fragmentos dos Fragmentos da Lírica de Safo (Florianópolis, Noa Noa, 1990) e Variações sobre a Lírica de Safo (São Paulo, Estação Liberdade, 1992).

 

Autor(a) Joaquim Brasil Fontes
Nº de páginas 256
ISBN 85-7321-075-3
Formato 16x23 cm

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