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O poema, essa cicatriz da velha ferida dos gêneros, entre prosaica e feliz — indigna, pelo menos — oscila, pela via-não, entre a corrosão e o êxtase, jeito de pedir perdão sem deixar nem endereço, forma besta de glamour sem ornato ou adereço, e a cada respectiva musa agradeço por tudo o que lembro e o que esqueço.
A produção poética de Rubens Rodrigues Torres Filho apresenta-se com a espessura e agudeza de uma âncora e a clareza de um Jardim clássico perdido entre ramagens de eras. Essas duas metáforas tentam buscar, com precisão, o cerne de um conjunto de poemas escritos entre 1963 e 1997 que não encontra na palavra evolução o seu porto seguro, uma vez que a oscilação entre o pensamento por imagens e o discurso poético reflexivo é o fio condutor, desde o principio, dessa rica trajetória. Trajetória circular, dinâmica, em que lá no meio do caminho (Poros, 1989) podemos encontrar um reino metafórico e auto reflexivo dos mais preciosos, no qual se conjugam a elevada forma de poesia e os profundos modos de pensar poesia. Esse poeta, em pleno final de século, vem resgatar, com seus procedimentos singulares, a noção de poema lírico, que muitas vezes temos a sensação de ter perdido com alguns equívocos da pós-modernidade e com achismos mobilizadores de códigos que deixam de lado as tensões de sentido – fundamento primeiro da poesia. Perpassa em seus versos uma nuvem da tradição conceptista e neoclássica que não conseguimos tocar com os dedos, mas intuir de maneira tênue como se fossem suspiros dos setecentistas e dos poetas do primeiro romantismo alemão (Hölderlin, talvez, que compõe com outros o paradigma dos brilhantemente traduzidos por Torres Filho no final do volume), crispados pelas ousadas incursões rimbaudianas, que se lançam ao século XX de maneira original tendo percorrido universos poéticos dos mais intensos. Dentre eles, os dos brasileiros Drummond, Cabral e Paulo Leminski para não adentrar a floresta obscura da filosofia da qual é dotado o pensamento abstrato desse poeta contemporâneo. A clareira opaca de Rubens constitui-se dos requintados procedimentos poéticos, tais como a materialização signica do infinitivo ou do substantivo abstrato, ou a plasmação motivada do plano de expressão, conquistados por uma consciência arguta da imagem ou do pensamento por imagem que parece ser o único caminho para se confrontar com os rudimentos da famigerada realidade e fazê-la emergir inteira aos olhos do espirito. Entre as vísceras do cotidiano e o azul-cinzento de inverno de um tempo mítico, fica para o leitor esta obra, delineada pela plenitude do oco e a vagueza dos resíduos existenciais.
Aguinaldo J. Gonçalves
Rubens Rodrigues Torres Filho, historiador da filosofia moderna, traduziu obras de Kant, Fichte, Schelling, Nietzsche, Adorno e Benjamin. Publicou, em prosa: O espirito e a letra (ática, 1975) e Ensaios de filosofia ilustrada (Brasiliense, 1987). Idealizou e dirige a coleção "Biblioteca Pólen", desta Editora.