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O que tem a falar uma não-analista sobre um livro escrito por um psicanalista, a partir da clínica e da política da Psicanálise? Foi isso o que eu pensei quando fui convidada para fazer a apresentação deste livro. E foi lendo-o que eu aprendi que “o não analista não é o não analisado, mas sim aquele que optou em não ocupar o lugar do psicanalista”, na medida em que sua aposta no desejo o conduziu para uma Outra direção; mas que é capaz de reconhecer a importância decisiva que a Psicanálise tem como formulação de um saber que não se presta a dar respostas e nem a curar paixões. E que, por isso mesmo, “participa e contribui para que uma política pela Psicanálise seja possível”.
A paixão em torno da qual o livro se constrói é o ódio. “Há um fator estruturante no ódio. É preciso haver ódio para que haja avanço da subjetividade.” Apesar disso, “há uma espécie de silenciamento sobre o problema”. Por que isso ocorre e onde isso pode nos levar em tempos como o nosso, tão propícios às explosões de ódio? É esse o mote para que o autor nos conduza por um interessante percurso que costura as relações entre ódio, ciência, saber, clínica e política do psicanalista.
Mauro fala em ódios, no plural, pois quer marcar diferenças nas abordagens teóricas de Freud e Lacan; além de distinguir o fenômeno do ódio no campo do masculino e do feminino, em especial quando se refere à abordagem lacaniana das psicoses. Quer tratar, também, do ódio como fator político; bem como do ódio que espreita as comunidades analíticas e, nesse contexto, reflete criticamente sobre sua busca pelo saber universitário. Com isso, não está dizendo que o saber universitário não interessa ao psicanalista, mas que, além de ele não concernir ao que é próprio da clínica, ainda pode se apresentar como gerador de ódio, na medida em que esse saber pode vir a ser abalado. Propõe, como um fator político, que a Psicanálise retorne a uma prática de leigos, e que suas comunidades abram mão das garantias ilusórias dadas pelo acúmulo de saber e de títulos.
Convoca, finalmente, a uma reinvenção da Psicanálise que se dê pelo caminho a partir do qual a única aposta seja a de “colocar em exercício a dimensão do inconsciente”, pois apenas a partir de uma escuta ética das suas manifestações que seria possível à Psicanálise elaborar algo novo sobre os sintomas sociais destrutivos que nos espreitam na contemporaneidade, bem como articular um “antídoto, não todo”, para as manifestações dos ódios. Uma tarefa que diz respeito não apenas àqueles que exercem a clínica, como também a “alguns outros” que entendem que “o possível da política pela Psicanálise é portador de um impossível”.
Isleide Arruda Fontenelle
Pesquisadora da FGV