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"A grandeza incomparável de Kant é corroborada, e não em último lugar, pelo fato de que manteve firme e incorruptivelmente a unidade da razão mesmo em seu uso pleno de contradições — o do domínio da natureza, que chamou de mecânico-causal ou teórico, e o da reconciliante aproximação à natureza, próprio da faculdade de julgar."
Theodor Adorno
O exame do pensamento politico kantiano nos coloca de saída diante de textos muito dispares. A teoria do contrato social convive com a hipótese da origem histórica violenta do Estado. A soberania popular não é algo efetivo do povo, funciona apenas como um padrão para o regente, e, não se contentando em transformar a soberania em uma ideia, Kant em alguns textos não se refere nem a esse padrão, deixando a soberania totalmente com o governante. Na abordagem da liberdade político-jurídica encontram-se elementos da tradição liberal e também da democrática, a teoria da propriedade recupera aspectos da teoria da ocupação contraposta à do trabalho.
A Revolução Francesa é condenada no plano jurídico (pelo fato mesmo de ser uma revolução), mas, ao mesmo tempo, provoca entusiasmo no espectador.
Como compreender essas tensões do pensamento kantiano? É certo que a tentação de privilegiar unilateralmente alguns textos em detrimento de outros é muito grande. Outra tentação consiste em denunciar a sua incoerência, o seu caráter contraditório. Afinal, como é que alguém pode ser ao mesmo tempo liberal, democrata, admirador de Frederico II, crítico da situação política da Inglaterra e defensor da constituição republicana?
Mas uma outra via se impõe: por que não tentarmos pensar as tensões do pensamento kantiano como essenciais a sua expressão, sem necessidade de fazer com que a balança penda para um dos lados, sem ter de denunciar de maneira apressada as "contradições e incoerências" dos textos? O que se procura nesse trabalho é entender as tensões no plano da história da filosofia e valorizá-las no plano da filosofia.
Ricardo R. Terra é professor de filosofia na Universidade de São Paulo e estudioso da filosofia politica alemã. Atualmente é vice-presidente da Sociedade Kant Brasileira. Publicou vários artigos sobre Kant em diferentes revistas e organizou duas coletâneas: Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita (Brasiliense, 1986) e Duas Introduções à Crítica do Juízo (lluminuras, 1995).