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Os três contos mordazes e
surpreendentes que compõem este volume bem poderiam ser capítulos de um
“romance autobiográfico”. Narram uma vida insignificante na qual nem mesmo os
sonhos são audaciosos, mas apenas mesquinhos, “convencionais e surrealistas. Nenhum
Mondrian, nem um único Malevitch”, como afirma o narrador. Não surpreende,
portanto, que o leitor se depare sobretudo com “fatos voláteis,
inconsequentes”, vazados em um estilo pernóstico e rebuscado que parece querer
disfarçar a banalidade de sua “rala biografia”, que não é “nenhuma Recherche
esnobe, recheada de madeleines alucinógenas. Até onde consiga enxergar, não perdi tempo
algum, como iria eu procurá-lo? Onde? Quando?”. Aí reside a comicidade do
livro, que
tem uma ironia ácida à moda de Machado de Assis e de Eça de Queiroz.
O que de fato o narrador parece
apreciar são “os dias iguais, repetitivos, sobejamente vazios, a conversa fiada
infinita, as desavenças e ódios súbitos, os pequenos êxtases e desvarios que
caracterizam a rotina. Em resumo, a gloriosa pertença à História Universal da
Esquina, que dispensa as idiotas placas comemorativas”. Ele sabe que “o leitor
escrupuloso, exasperado, que chegou até aqui, terá notado minha estima pela
discriminação compulsiva das horas e dos dias”. Talvez isso seja o resultado
dos “rigores da aposentadoria” e do “trabalho insano de não fazer nada com
método e afinco”.
Porém, nada parece constranger o
narrador, que segue relatando os acontecimentos de sua vida, mesmo sabendo que
“uma vida não se conta, uma vida não conta. E vice-versa”.
Decididamente, esse narrador blasé não é nenhum herói, como Ulisses, nome de um de seus gatos. Ainda assim ele se envolve em uma guerra contra o mundo que, com sua “presença exorbitante”, “invade nossa privacidade, nosso íntimo”. Fosse ele “um frívolo, um volúvel de saídas fáceis, a solução por si mesma se impunha: iria para a Bahia”; mas nosso Ulisses às avessas não sai do lugar. Ele está mais para Estragon e Vladimir de Beckett, do que para Leopold Bloom, de James Joyce. Ou melhor, é parente do homem sem qualidades de Robert Musil.
Dirce Waltrick do Amarante
Ronaldo Brito nasceu no Rio de Janeiro em 1949. É
crítico de arte, curador de exposições de arte, poeta, contista e professor
universitário. Publicou Quarta do singular (poesia); Neoconcretismo, Sérgio Camargo, Iberê
Camargo, Oswaldo Goeldi, Amilcar de Castro, Experiência
crítica, entre outros.
Autor(a) | Ronaldo Brito |
Nº de páginas | 114 |
ISBN | 978-65-5519-099-1 |
Formato | 13,5x20,5 cm |