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"Faço certamente pintura e escultura, e isso desde sempre, desde a primeira vez que desenhei ou pintei, para agir sobre a realidade, para me defender, para me alimentar, para engordar; engordar para melhor me defender, para melhor atacar, para agarrar, para avançar o máximo possível em todos os planos, em todas as direções, para me defender contra a fome, contra o frio, contra a morte, para ser o mais livre possível; o mais livre possível para tentar — com os meios que me são hoje os mais adequados — melhor ver, melhor compreender o que me cerca, melhor compreender para ser o mais livre, o mais gordo possível, para despender, para me despender o máximo possível no que faço, para correr minha aventura, para descobrir novos mundos, para fazer minha guerra, pelo prazer? Pela alegria? Da guerra, pelo prazer de ganhar e de perder."
Alberto Giacometti
A acreditar nas palavras de Giacometti, tudo o que ele fez foi insistir num fracasso irremediável. "Faz trinta anos que perco meu tempo." "Talvez fosse melhor abandonar a pintura para sempre." "Encontro-me exatamente no mesmo ponto em que estava em 1925." Frases como essas pontuam o livro do começo ao fim.
A impossibilidade de o artista encontrar um equivalente pictórico para o que via é o que mais chama a atenção nesse relato admirável, em que James Lord narra as dezoito tardes em que posou para Giacometti. E de fato as esculturas, pinturas e desenhos de Alberto Giacometti revelam a busca incessante de algo que parece sempre escapar entre os dedos.
Vem daí a necessidade de trabalhar a argila quase até o seu desaparecimento. Ou então sobrepor incansavelmente linhas ou pinceladas. Na arte de Giacometti, o pentimento não era apenas a tentativa de emendar um gesto infeliz, substituindo- o por outro mais perfeito. Ao contrário, o desacerto constitui o próprio núcleo de sua forma, não havendo portanto mais adequação possível entre a aparência do mundo e sua representação artística. Ou para usar suas próprias palavras: "Cézanne descobriu que é impossível copiar a natureza. Isso não pode ser feito. Mas é preciso, apesar de tudo, tentar, tentar — como Cézanne — traduzir suas próprias sensações". Mas essa inadequação não indicava apenas um problema cognitivo. Ela tinha uma extensão bem mais ampla. Ela falava da impossibilidade moderna de moldarmos nossa existência segundo os imperativos de uma vontade reta. Ela apontava as refrações a que todos os nossos atos estão sujeitos, mesmo que não saibamos disso. E então o fracasso assume uma feição grandiosa, uma densidade semelhante à das figuras de Giacometti. Porque é de fracassos que nos constituímos; é de gestos interrompidos que somos feitos. E então aquele recomeçar permanente adquire todo o seu significado. Para entendermos melhor o nosso destino e o nosso tempo será preciso abrir mão de qualquer ilusão de plenitude ou pureza. A todo instante temos de retomar o fio da meada de nossos movimentos parciais e incompletos, o que é sempre melhor que choramingar ou supor realidades complacentes. Sartre dizia que os traços de Giacometti são centrípetos, que sempre voltamos a eles. Batata. O mundo que seus trabalhos nos apresentam tem uma feição espessa, e quer se mostrar em sua espessura. Para compreendê-lo de pouco adianta procurar formas puras que nos dêem algo como sua essência. Já não há essências. E nos resta aceitar essas tramas meio encardidas, envolvermo-nos nelas e aprender com elas. Em meio a elas está o que nos pertence.
Rodrigo Naves
James Lord nasceu em 1922, em Englewood, Nova Jersey. Autor de romances, novelas e ensaios sobre arte, passa longos períodos na França, desde meados da década de 40. Com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, alistou-se no exército americano e foi enviado à Europa pelo Serviço de Inteligência Militar em 1944. Chegou em Paris em dezembro desse mesmo ano, com a ousada determinação de conhecer o famoso Pablo Picasso. Finda a guerra, acabou ficando por lá e aos poucos se integrou no mundo intelectual e artístico parisiense. Em 1952, foi apresentado a Giacometti e passou a frequentar desde então o ateliê do artista, sobre quem Lord escreveu alguns textos para catálogos de exposição, vários ensaios para revistas francesas e americanas e uma grande biografia, publicada em 1985.