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Quando, em 2011, o Nuno me pediu que lesse esta obra, queria uma resposta para a questão que se colocam os escritores inteligentes: se o que fizeram merece nascimento. A par revelou-me que a coisa ficara maluca.
Corajosos, sábios os que questionam a maluqueira sem resposta da existência humana!, sejam eles Platão, o filósofo que baniu os poetas da República, ou o protagonista deste Sermões, professor de filosofia reformado, autobanido tornado poeta. Obsceno significa, etimologicamente, fora de cena. Esse, o lugar dos exilados.
Respondo que, além de nascimento, este livro merece júbilo, celebração. Não são hoje os leitores dos poetas, como os poetas, exilados?
No espaço linguístico e cultural da língua portuguesa europeia e sul-americana, o vocábulo “sermões” remete ao padre Antônio Vieira (Lisboa, 1608 – Salvador/ BA, 1697), cuja vida de pregador ecoa em nossa memória cultural coletiva.
Um sermão é uma obra de circunstância aplicada a uma ocasião (litúrgica, da vida política, religiosa ou institucional). O autor está fisicamente envolvido no sermão enquanto pregador, oferecendo o corpo, a voz, o pensamento à assembleia. Uma componente biográfica marca tanto a leitura pública (forma sui generis de publicação) quanto a redação.
Autobiográfico, o protagonista de Sermões escreve para si sobre si, não para se comemorar, mas para se registrar, nisso condensando as questões identitárias que todos os seres humanos se colocam alguma vez. Quem sou? O que faço aqui? Vale a pena? Subjacente, a dúvida quanto ao valor das condutas humanas que parecem esvaziadas dele (o cio cego, por exemplo) e, consequentemente, as questões do suicídio e da loucura. Coisa maluca.
Se a identidade não é suficiente, então não é autêntica; aqui, a demanda por mais identidade é feita no registro das experiências, mostrando que o entendimento depende da forma discursiva. A reflexão prévia ao entendimento surge não no ato, mas no ato em diferido registrado, isto é, na obra. É no registro do físico (a cópula) que o professor de filosofia arranca. Questionar o físico almeja o metafísico (o sentido). A carne, feita verbo, torna-se metafísica e faz-se verso, ou seja: poética.
Laica ou sagrada, a oratória foi sempre cívica. Oratória é, como a poesia, trabalho de linguagem.
Lugar difícil e obsceno, cuja grandeza se define a posteriori pelo jogo entre força e forma, a poesia suscita emoções estéticas mas também amorosas. Nisso, não dista das experiências religiosas: ambas se elevam a aperfeiçoamentos que não podemos senão considerar também malucos.
A construção desta obra notável esteve amarrada a uma trama mínima – a qual surge sintetizada, como bônus para o leitor, em nota final ao livro.
Fernanda Mira Barros
Nuno Ramos nasceu em São Paulo, em 1960. Escreveu os livros Cujo (1993) e O pão do corvo (2001), pela Editora 34; Minha fantasma (2000), edição do autor; Ensaio Geral (2007) e O mau vidraceiro (2010), pela Editora Globo; Ó (2009, prêmio Portugal Telecom Melhor Livro do Ano) e Junco (2011, prêmio Portugal Telecom Melhor Livro de Poesia), pela Iluminuras.