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A história é, estilística e fabulisticamente, de um ascetismo bíblico; não por acaso, os poucos personagens principais - Abel, Sara, Judas - têm nomes bíblicos. A trama envolve um triângulo - não se pode chamar de amoroso, mas de primitivas paixões - que tem mais que ver com o destino das tragédias gregas do que com sentimentos apenas humanos, mortais. Antes do vivê-los, os personagens parecem condenados a cumprir seus papéis, com quase nenhum - se é que têm algum - arbítrio. É uma história de traição e assassinatos, com justos e danados - ou seja, inocentes todos.
Mas não é só isso. Da narrativa, foram retiradas todas as referências de tempo e lugar, de modo que nada há daquele pitoresco que, mesmo nas áridas histórias de Graciliano Ramos, ainda situam os personagens e a ação num determinado ponto e época da Terra. Em Carrero, o único ponto de referência que ainda subsiste - involuntariamente, crê-se - é um leve sotaque naturalmente acompanhado de requisitos da retórica nordestina. Numa tradução, até mesmo isso desapareceria.
Temperando um pouco essa secura, Carrero lança mão do elemento mágico da cartomancia, que acentua ainda mais o clima de destino escrito dos personagens, com o poder de descrição das infinitas combinações das cartas, que causa aquela suspensão da descrença de que falam os críticos anglo-saxões.
Sombra severa, como se vê, é um romance que já nasce com dimensões de clássico.
Marcos Santarrita