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Trajetória de antes
Girando na bolha de sal
eu falo contigo e te recebo
no tempo primário
em que me ensinas o amor.
Um passo em falso
me derruba e eu dissipo
mas tu és boa
e me trazes devagar
como quem segura um mundo.
Tua explosão irrompe
tingida de fogo
e dói-te tão fundo
que eu estremeço
e um amor de meses
vaza todo, extravasa.
Desde que me conjugo
(eu sou, eu estou)
dou-te um nome de santa.
Viajo num estouro de luz
que te queima, te arregaça.
Eu tenho o destino dos homens.
Fora de ti, quebrado o pacto,
te encontro uma segunda vez.
Um olhar de pólvora.
Estranho mundo cheio de desespero, desencontro, buscas, repleto de sensualidade. Mariana torna sensual cada verso que toca, mesmo no trágico, na angustia, na agonia. Ha nela inocência insana, ironia perplexa diante do abandono (porque as pessoas se abandonam umas as outras), da solidão (esse é o destino e de nada adianta buscar), da nostalgia (de nada adianta rever). Há em Mariana malicia, interrogação, sufoco, olhares hesitantes para um Deus que existe/inexiste, há silêncio, premonições de morte, portas arranhadas em noites molhadas, frutos que não vêm porque não houve germinação.
Textos delicados, porém corrosivos. Mariana conhece o valor de cada palavra, a síntese, ela sabe como transformar a palavra em estilete, cortando fundo. Ela tem o corpo sempre de sobreaviso, ela pode levar nas mãos o momento de pensar. Estão atentos, ela e o seu coração. Ela sabe que podemos ser soltos em um lugar desconhecido da vida. Mariana viaja em estouros de luz, tem o destino dos homens, a missão nos olhos. Revela mulheres santas que recebem os inimigos como se fossem amantes, como se fossem aqueles que chegam pisando a terra e cavam com os dedos o espaço. Mariana olha o escuro, olha os dias e não precisa penetrá-los para viver como quer. Ela fala de mulheres de formas inconclusas, de meias formas, de escamas rastreadas na areia, de guizo silvando nas pedras. Mariana olha com olhar de pólvora a vida, o mundo, o amor. Ela quer um farol na montanha, quer a beleza de semente graúda, espera por mensagens na garrafa, vê o sangue escorrendo das pernas no dia depois do adultério. E ela sente, nos transmite, nos faz sentir a ardência da fogueira estalando gravetos e nos coloca dentro das nuanças de perdição, porque essa é a vida, perdição, ninarias denunciadas, perdas, derrotas, quedas para as quais não estamos preparados, com as pessoas indo para o fundo delas mesmas, em busca de seus próprios vestígios.
E se pensam que essas frases são minhas, não são. Elas foram retiradas de dentro dos textos de Mariana, doloridos, suaves, cortantes, contundentes porque nos revelam em descrenças e desesperanças, com um toque de poesia como há muito não se via, e não se tem visto. E quando pensávamos: onde está a nova poesia brasileira, a que fale de pessoas e sentimentos? a que venha do fundo e não seja puro jogo verbal, visual, armadilhas, mas poesia de sangue e vísceras, aqui está Mariana, corajosamente à beira do ano 2000, buscando a trajetória do antes, enquanto todos querem a trajetória do depois, sem perceber que o depois não existe sem o antes.
Ignácio de Loyola Brandão