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Um animal que perde seu território seguro por causa do anseio implacável de conhecer outros mundos; um homem destituído da capacidade da comunicação e que se põe a investigar a essência da linguagem; os transtornos da lucidez de quem foi banido da aderência com o mundo e já não é mais capaz da inocência de primeira ordem; a linguagem sedutora e as suas flechas enfeitiçadas, abrindo caminho no tremor do sexo; as ambiguidades do bem e do mal, a liquidação do maniqueísmo e as misturas do imiscível; o parto e o vir ao mundo de uma criança esperada numa comunidade alternativa; o confronto entre o eu e o si-mesmo-outro e a eclosão do dizer na disputa incessante entre heterônimos que reivindicam a vitória sobre a heteronomia; uma aula inaugural interrompida pelo sono súbito de um professor enquanto refletia sobre sua narcolepsia; as genealogias da ira e do ressentimento, os perigos e as delícias do desnudar-se neste tópos; os paradoxos da psicologia do excluído e os esforços para nascer sem a presença do outro; a poética dos perdedores e dos vingativos; a reivindicação da amizade e as marcas e rugas de quem passa aberto pela vida.
Esses e outros temas abordados nos onze contos de Um homem bom estão postos com maturidade no idioma de quem os incubou longamente até que a formulação adquirisse a dicção do necessário e do acabado. Thiago Barbalho é uma espécie de tataraneto de Dostoiévski, mas ele, enquanto rebento lúcido, tropical e contemporâneo dessa linhagem, sabe que não há metanoia que transfigure a dor de perder, e a crítica já se sabe vencida desde o início. Numa época de produção industrial da indignação, a escrita de Barbalho atravanca esta máquina com a doçura de quem já sorriu da própria crítica. A conjugação do lúdico e da lucidez resulta em uma alquimia literária que revela, em tempos de literaturas de projetos temáticos, um autor que encontrou as suas próprias questões e soube desdobrá-las, nascendo daí a palavra-seta que atinge certeira quem a lê.
Juliano Garcia Pessanha