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Estamos no século 25 e as guerras finalmente terminaram com a vitória da União Universal. Todos os povos falam um idioma único, e os estados nacionais foram privatizados por grandes empresas, ao ponto de as metrópoles agregarem ao seu nome a marca dos patrocinadores, como New York Apple ou Tik-Tokyo. O mundo inteiro, aliás, tornou-se uma megacorporação dirigida por um CEO, sob os auspícios da ciência, que esticou tanto a duração da vida humana que as próprias noções de tempo e história perderam o sentido.
Ocorre, porém, que as coisas não correm tão perfeitas quanto parecem. De um antro subterrâneo, surge um grupo de inconformados, para o qual outro mundo é possível. Eles emergem de seu não-lugar impelidos pelo sonho do astronauta Gagarin33 de instalar os seres humanos no remoto planeta Utopia 3 ou pelos planos de dois replicantes – um deles seguidor do vetusto programa de J. Posadas (1912-1981), um trotskista argentino que fez a espantosa combinação da teoria marxista com a cosmologia.
A construção ficcional do livro é desconcertante. O enredo principal se fragmenta o tempo todo, desdobrando-se em múltiplos relatos, num fluxo frenético de histórias. São todas elas fascinantes e inesperadas, levando com o que o leitor supere a tentação da verossimilhança para se entregar a algo mais interessante: o acaso da escrita, o jogo narrativo e a especulação intelectual. O resultado é uma “Mil e Uma Noites” futurista e apocalíptica, em que o próprio conceito de ficção cientifica é estilhaçado e reinventado.
O Brasil, “país do futuro”, produziu pouquíssima ficção científica, seja no cinema, seja na literatura. Explicações para isso não faltam: o capitalismo dependente e claudicante, o atraso tecnológico, a pesquisa científica acanhada, a supremacia da superstição sobre o conhecimento... Aqui, “futuro” é uma palavra caseira, que implica menos em imaginar amanhãs mirabolantes do que em imaginar modos de sobreviver nos próximos dias, tamanha a incerteza do presente.
Por essas e outras, fazer ficção científica no Brasil é um desafio que poucos escritores enfrentaram. Entre estes poucos, agora é preciso incluir Inácio Araujo, escritor e crítico de cinema, com seu novo e surpreendente romance, Utopia 3. Tão surpreendente que talvez a própria categoria “ficção científica” seja estreita demais para enquadrar este livro, em que a elucubração sobre o futuro se alia à sátira política e à crítica social.
Alcino Leite Neto
Inácio Araujo é técnico cinematográfico, tendo montado 13 longas-metragens, escrito seis roteiros e dirigido episódio de um filme. É crítico cinematográfico do jornal Folha de S. Paulo. Seus textos foram compilados no volume “Cinema de Boca em Boca”, org. Juliano Tosi (ed. Imprensa Oficial, 2010) e revistos em “Olhos Livres para Ver”, org. Laura Cánepa e Sergio Alprendre (edições Sesc, 2023). Publicou o romance Casa de Meninas (Marco Zero,1987 – prêmio revelação de autor da APCA; reedição da Imprensa Oficial em 2004) e o livro de contos Urgentes Preparativos para o Fim do Mundo (Iluminuras, 2017). Publicou ainda os ensaios Hitchcock, o Mestre do Medo (Brasiliense, 1982) e Cinema, O Mundo em Movimento (Scipione, 1995) e o romance juvenil Uma Chance na Vida (Scipione, 1989).