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Esta é a história de Villa, um médico que trabalha para o ministério do Bem-estar Social na Argentina, numa época tumultuada, sangrenta, pouco conhecida e pouco lembrada: o período que vai da morte de Perón ao golpe militar de 1976. Nesses anos que prenunciaram a mais terrível ditadura é sofrida pelos argentinos, Villa é testemunha dócil do apogeu nefasto de López Rega, secretário de Perón e homem de sua inteira confiança. O medo e sua inclinação natural a subserviência, levam Villa finalmente a colaborar com sequestros e torturas.
Mas o que provoca um sentimento estremecedor neste romance, é a forma aparentemente neutra com que o autor relata a descida de seu personagem ao inferno.
Desde a explosão inicial de O vidrinho, Luis Gusmán tem desenvolvido uma obra narrativa das mais arrojadas e pessoais da literatura argentina.
Villa consagra-o como um desses poucos escritores verdadeiramente imprescindíveis.
A narrativa argentina das últimas décadas defrontou-se com o desafio de formular interrogantes, ensaiar respostas e encontrar sentidos para uma experiência histórica que, tendo atingido os limites extremos do horror, fazia de sua enunciação uma tarefa quase impossível. Consciente de que o silêncio também era intolerável, uma profusa série ficcional experimentou uma diversidade de soluções formais que, mais uma vez, traziam à tona a conflituosa relação da literatura com a política. Luis Gusmán também não se furtou a esse desafio e, com Villa, mergulha num período obscuro e violento da história argentina (1973-1976), quando a sociedade assistia, "entre o estupor e o medo", ao confronto armado entre a guerrilha e as forças repressivas do governo peronista.
O relato assume o ponto de vista de sua personagem principal: um médico que, no decorrer dos acontecimentos, acaba envolvido nas operações de sequestro, tortura e assassinato do sistema repressivo do Estado. Paradoxal na sua construção, o romance encontra nessa perspectiva única uma forma fechada por meio da qual expõe uma situação social complexa e contraditória. É nessa restrição discursiva onde reside O aspecto mais instigante do romance, A exclusividade do ponto de vista não limita as possibilidades interpretativas do acontecido, pelo contrário, ela condensa um sentido múltiplo e aberto na medida em que sugere que a verdade não unívoca, nem está dada de antemão, mas que se constrói na dimensão subjetiva de uma diversidade de experiências históricas.
Despojado de qualquer outro artifício narrativo, Villa afasta-se da excentricidade do primeiro romance de Luis Gusmán - O vidrinho (1973; Iluminuras, 1990) - Cuja experimentação estética levava o relato aos limites de sua legibilidade. Ainda assim, permanece a aposta do autor em uma concepção de literatura que resiste a se definir na intencionalidade da denúncia ou do julgamento.
Ana Cecilia Olmos
Luis Gusmán nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1944. Desde a publicação de seu primeiro livro, O vidrinho, em 1973 (Iluminuras, 1990), tem se afirmado em diversas obras, que vão da ficção ao ensaio, como um dos maiores escritores de sua geração. Recebeu vários prêmios, entre eles o Boris Vian, outorgado por seus pares.