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... “o que um dia foi meu, nunca vai ser passado”: assim termina um dos poemas deste, a rigor, último livro do Paulo. Outros virão, mas aqui ele ainda pincelou, com seu parceiro João, a forma que o livro teria. Um pouco antes de ir. Mas não é um livro, é, como deve ser, um objeto estético, um álbum de arte, graças à cumplicidade com o traço do João, que, talvez por ser poeta também, soube criar ressonâncias entre a imagem e a palavra sem que uma interferisse na outra. winterverno, mesmo com inverno dentro, tem o calor da beleza e é bom que seja assim porque, como disse alguém, confirmando o verso do Paulo, "a thing of beauty is a joy forever"
Alice Ruiz
Inverno de 94
winterverno: inverter: winterver-nos.
A energia de Leminski volta a transitar entre nós nestes escritos em situações descompromissadas, sem qualquer tentativa de "literarizar" os eventos.
Nestes haigas, ou poemas-desenhos (a categoria mais plástica da poesia oriental, segundo Blyth), o que se busca é passar o perfume de uma ideia-emoção com brevidade, humor e sentido. Os temas costumam ser os lances mais banais; coisas máximas vistas de um modo mínimo e vice-versa. Menos é mais. Por isso, tudo passa a impressão de um certo inacabamento, criando vazios que devem ser completados pelo leitor.
Leminski: “no Japão, o haiku é parte de um conjunto plástico maior: vem como integrante de um desenho que mantém com o texto relações gráficas muito íntimas”. Aqui, em simbiose com os dezenhos de João, feito fosse um acidente provocado, um relaxo caprichado, texto e imagem, traço e gesto nascem juntos. Tanto no talhe da palavra quanto no detalhe do traço, o haiga quer ser simples, conciso, rústico quase tosco, quase ingênuo. Tudo é mostrado em takes com crueza e intensidade, mas sempre rápidos e certeiros, como tudo em Leminski, que dizia buscar a graça do gesto irrepetível, a emoção captada em pleno ar: há a confissão da dor, da impermanência das coisas, mas sempre com muito humor, virtú e simplicidade. Transitando distraidamente entre o apolíneo e o dionisíaco, em winterverno Leminski mostra que tudo pode ser motivo de poesia. E afirma o quanto a vida pode brilhar nas mãos de um poeta. Sabendo, como ele dizia, que “é a linguagem que está a serviço da vida, não a vida a serviço da linguagem”.
Rodrigo Garcia Lopes
Aos poucos vamos podendo pisar essas pedras que Leminski nos deixou, e que voltam sempre a nos confirmar a grandeza e a profundidade de seu mergulho poético. Depois do corpo de poemas inéditos que veio à luz com La Vie en Close e do deslumbrante Metaformose, recém-lançado, podemos agora curtir esse winterverno, fruto de um diálogo Intersemiótico com João Suplicy. Entre as inúmeras formas de associação gráfica entre imagem e verbo em nossa época — da ilustração à legenda, do caligrama ao logotipo, da pintura escrita à poesia visual, do cartaz à HQ — winterverno tem uma face singular. A síntese verbal de Leminski e o traçado conciso de João se afinaram com muita naturalidade, numa conversa que nos aproxima da condição do hai-kai, em sua origem ideogramática (dois invernos diferentes formando o mesmo). Aqui os códigos verbal e visual se alimentam mutuamente, ora se complementando, ora se tensionando; ora se traduzindo, ora acrescentando um ao outro novas significações. O resultado é de uma sintonia surpreendente, que muitas vezes incorpora e exibe dados sobre a situação do encontro em que foram feitos — com margem para o salto, o voo, o insight — e toda sorte de coincidências. A simplicidade e a liberdade com que essa relação se faz, tão intimamente, faz lembrar, por vezes, o Nascimento Vida Paixão e Morte, de Pagu, o Romance da Época Anarquista, diário de Oswald e Pagu, ou o Perfeito Cozinheiro de Almas deste Mundo, diário da garconnière de Oswald - obras/não-obras onde o verbal e o visual se misturam, como a própria criação se mistura à vida. Além de momentos altamente concentrados da poesia de Leminski; além da riqueza de soluções gráficas exploradas por João em seus desenhos; além da delicada interação dos dois códigos; o mais belo desse livro me parece a forma como ele incorpora em si o processo de sua feitura — exposto no raio x dos suportes precários onde inicialmente o diálogo foi se fazendo (e que compõem sua segunda parte). Rabiscados em folhetos publicitários, guardanapos de bar, pedaços de embalagens, folhas de caderno, a matéria-prima que houvesse na hora; os registros nos mostram a urgência da criação contaminada de vida, contaminando a vida, na captação de seus instantâneos. Um livro que foi se fazendo quase sem querer, e que foi se fazendo querer até tornar se um projeto comum de Paulo e João; da expressão espontânea de uma afinidade à descoberta de uma linguagem.
Arnaldo Antunes